quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Saudade

Amamos sempre no que temos

O que não temos quando amamos.

O barco pára, largo os remos

E, um a outro, as mãos nos damos.

A quem dou as mãos?

À Outra.

Teus beijos são de mel de boca,

São os que sempre pensei dar,

E agora e minha boca toca

A boca que eu sonhei beijar.

De quem é a boca?

Da Outra.

Os remos já caíram na água,

O barco faz o que a água quer.

Meus braços vingam minha mágoa

No abraço que enfim podem ter.

Quem abraço?

A Outra.

Bem sei, és bela, és quem desejei...

Não deixe a vida que eu deseje

Mais que o que pode ser teu beijo

E poder ser eu que te beije.

Beijo, e em quem penso?

Na Outra.

Os remos vão perdidos já,

O barco vai não sei para onde.

Que fresco o teu sorriso está,

Ah, meu amor, e o que ele esconde!

Que é do sorriso

Da Outra?

Ah, talvez, mortos ambos nós,

Num outro rio sem lugar

Em outro barco outra vez sós

Possamos nos recomeçar

Que talvez sejas

A Outra.

Mas não, nem onde essa paisagem

É sob eterna luz eterna

Te acharei mais que alguém na viagem

Que amei com ansiedade terna por ser parecida

Com a Outra.

Ah, por ora, idos remo e rumo,

Dá-me as mãos, a boca, o ter ser.

Façamos desta hora um resumo

Do que não poderemos ter.

Nesta hora, a única,

Sê a Outra.

(Fernando Pessoa - Cancioneiro)



2 comentários:

  1. Saudades, um pedacinho de emoção
    dentro da gente...
    Um pedacinho de outra pessoa dentro
    da gente...
    Um voz, um olhar, um toque.
    De repente uma angústia.
    Saudade do que não fez, ou daquela vez.
    Saudades... Das coisas, do lugar, da
    pessoa...
    De um beijo, de um carinho, daquele jeito diferente...
    Ou do sorriso, de repente...
    Saudades de alguém...
    Saudades de você!

    Te Amo =)

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